Ministra da Saúde se desgasta com crises sanitárias e críticas internas, avançando na retomada do Mais Médicos e enfrentando questões de gestão e falta de traquejo político.
A ministra Nísia esteve no centro das atenções durante a reunião ministerial, já que comanda um dos ministérios mais visados pelo Centrão. As cobranças feitas pelo presidente Lula da Silva evidenciam a importância estratégica da gestão de recursos do Ministério da Saúde.
Nísia Trindade, chefe do Ministério da Saúde, precisará lidar com as pressões políticas e os interesses divergentes dentro do governo. A atuação firme e transparente da ministra será fundamental para garantir a eficiência das políticas públicas de saúde e o bom uso dos recursos disponíveis.
A Chuva de Críticas à Ministra Nísia Trindade
Até então bem avaliada dentro do governo por conseguir retomar com sucesso políticas importantes e que eram promessas de campanha do presidente Lula, como o Mais Médicos, ela agora lida com sucessivos desgastes causados por falhas na condução das crises Yanomami e da dengue e pela pressão que sofre por sua falta de traquejo político.
Somam-se ao cenário trapalhadas internas que acabaram dando munição aos que cobiçam seu cargo, como foi o caso do episódio do final de fevereiro em que o ministério publicou uma nota técnica sobre regras para realização do aborto legal, que acabou sendo revogada por Nísia no dia seguinte após forte reação de parlamentares conservadores.
Gestão de Crises na Saúde
No ano passado, uma apresentação com dança erótica em um evento da pasta já tinha gerado desconforto no governo, forte reação da oposição e muitas críticas nas redes sociais.
A ministra da Saúde, Nísia Trindade, tem sido alvo de críticas por trapalhadas políticas e falhas ao lidar com as crises Yanomami e da dengue.
Foto: Bruno Spada/Agência CâmaraPUBLICIDADENa última semana, Nísia ganhou nova dor de cabeça com a crise dos hospitais federais do Rio.
No domingo, 17, o Fantástico, da TV Globo, exibiu reportagem mostrando a precariedade e os problemas de atendimento em seis hospitais federais do Rio, que foram alvo da intervenção do Ministério da Saúde na semana passada, com a criação de um comitê gestor que vai centralizar as compras dessas unidades.
Ainda na segunda à noite, a pasta anunciou a exoneração (demissão) do diretor do Departamento de Gestão Hospitalar (DGH), Alexandre Telles. A função passará a ser acumulada pela superintendente do Ministério da Saúde no Rio de Janeiro, Maria Aparecida Braga. Engrossam esse caldo de problemas para Nísia o apetite do Centrão pela pasta, que já vem sendo demonstrado desde o ano passado.
A pressão vem tanto pelo fato de a Saúde ser o ministério com o terceiro maior orçamento da União (R$ 231 bilhões) quanto por reclamações de parlamentares da demora da gestão Nísia em liberar emendas.
Lula tem dito que Nísia está firme no cargo e que ela tem a sua confiança, mas as crises recentes têm tensionado a situação, gerando críticas até dentro do PT.
Ambiental, Secretaria de Saúde Indígena e Questões Yanomami
O maior dos desgastes, na visão de membros do governo, foi o fracasso da ação federal em território Yanomami, representada pelo aumento do número de mortes de indígenas Yanomami em 2023 em comparação com o ano anterior – o último do governo de Jair Bolsonaro.
O cenário ocorreu mesmo após o governo Lula ter declarado emergência em saúde pública em janeiro de 2023 por causa da grave situação do povo indígena e anunciado uma série de investimentos e ações para expulsar o garimpo e melhorar a assistência no território, anúncio que, um ano depois, não teve os resultados esperados.
No ano passado, foram 363 mortes, ante 343 em 2022.
O ministério argumentou que os dados da gestão anterior não correspondem à realidade porque a precarização dos serviços de saúde indígena dos últimos anos levaram a uma subnotificação de mortes. Ainda assim, dizem especialistas e lideranças indígenas, mortes evitáveis, como as por desnutrição e malária, continuam ocorrendo.
Além disso, parte dos postos de saúde segue parada dentro da reserva indígena, que ainda tem partes dominadas pelo garimpo ilegal. A crise, portanto, não é só de Saúde, mas ambiental e de segurança.
Questionamentos Políticos e Coordenação Interna
Bronca de LulaOs dados do aumento de mortes de Yanomami geraram incômodo no Palácio do Planalto a ponto de Nísia receber uma ligação exaltada do presidente Lula cobrando explicações.
O presidente não só reclamou dos maus resultados da força-tarefa em terra Yanomami, mas também da forma que os dados de mortalidade vieram à tona, por meio de reportagens na imprensa abastecidas por dados passados pelo próprio ministério via Lei de Acesso à Informação.PublicidadeLula chamou a atenção da ministra para o fato de que as estatísticas foram enviadas aos jornalistas sem a devida contextualização da suposta subnotificação de mortes na gestão anterior.
Dias depois, a própria pasta fez uma coletiva de imprensa fazendo essas ressalvas.Especialistas dizem que, mesmo que tenha havido subnotificação nos anos do governo Bolsonaro, os números de óbitos de 2023 foram altos, ainda mais considerando a promessa da gestão Lula de levar assistência à região.Nísia Trindade foi cobrada pelo presidente Lula na reunião ministerial desta segunda-feira Foto: Wilton Junior/Estadão’A discussão de (o número de mortos) ser maior ou menor do que a última gestão pra mim é uma discussão política.
Do ponto de vista técnico, pode até ser que o número real de mortos tenha sido maior em 2022 do que em 2023, mas ainda tem muitos indígenas morrendo de desnutrição e malária e as ações deveriam estar sendo mais céleres porque não podemos admitir isso’, afirma Julio Croda, infectologista da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS).De acordo com Dário Kopenawa Yanomami, vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami, pelo menos três polos-base de saúde do território Yanomami – Homoxi, Kaianau e Hakoma – que tentaram ser reabertos no ano passado seguem desativados pela ação do garimpo ilegal.
‘Essas comunidades estão em situação de abandono. Os garimpeiros tomaram o posto de saúde e a pista de pouso, não tinha como os profissionais ficarem lá’, afirmou.
CONTiNUA APÓS PUBLICIDADEEle diz que, mesmo após a força-tarefa anunciada pelo governo federal no começo do ano passado, os profissionais de saúde não chegaram na ponta, onde os indígenas realmente estão.
‘As equipes não entraram totalmente na terra Yanomami, a maioria dos profissionais fica em Boa Vista’, disse ele, que explica que o garimpo impede que os médicos tenham segurança para trabalhar.Embora afirme que a situação tenha chegado a esse ponto pela falta de ação da gestão Bolsonaro na região e que o governo Lula esteja tentando mudar o cenário, o líder Yanomami diz que falta uma organização estratégica federal que possibilite a ida e permanência dos profissionais nos territórios isolados onde vivem os indígenas.
‘As crianças continuam morrendo de diarreia, de malária, de desnutrição, continua a mesma calamidade’, afirmou.Servidores do Ministério da Saúde admitiram, sob anonimato, que faltou coordenação e rapidez na ação da pasta no último ano nessa temática.
A avaliação de mais de uma fonte ouvida pelo Estadão é a de que não havia, dentro da Secretaria de Saúde Indígena do ministério (Sesai), ampla experiência em gestão e entrosamento entre os responsáveis e que um tema estratégico como esse não poderia ter ficado sem um monitoramento periódico de membros da equipe da própria ministra.Publicidade’Foi uma inoperância da Sesai, falta de competência administrativa.
Houve uma efetiva ação emergencial, mas as ações estruturantes simplesmente não aconteceram, faltou competência para conduzir dentro da secretaria e não dava para deixar um tema tão delicado sem monitoramento estratégico’, disse uma fonte do ministério, sob condição de anonimato.A bateção de cabeça dentro da Sesai e do ministério no tema é, em partes, explicada pela inexperiência de parte da equipe com ações em campo ou em gestão.
Falta de Coordenação e Política
De acordo com as fontes ouvidas, perdia-se muito tempo em reuniões de diagnóstico sem que ações concretas fossem determinadas.
Em altaSaúde5 exercícios que odiamos e por que você deve fazê-los mesmo assim80% dos focos da dengue estão nas residênciasDengue: Brasil supera 1,8 milhão de casos e já vive maior epidemia da históriaUma das fontes internas contou ao Estadão que a experiência de especialistas habituados a atuar com povos indígenas ou vulneráveis foi ignorada e, com isso, um tempo precioso foi perdido.Um dos casos tidos como emblemáticos refere-se à sugestão feita por profissionais da organização internacional Médicos Sem Fronteiras de adotar, desde o ano passado, um protocolo com os chamados Alimentos Terapêuticos Prontos para Uso (ATPU), uma espécie de pasta rica em nutrientes e fácil de armazenar que é usada pela entidade em vários locais do mundo para tratar a desnutrição em crianças menores de cinco anos.
Lula e Nísia se encontram com indígenas Yanomami no começo de 2023, quando emergência em saúde foi declarada Foto: Ricardo Stuckert/ReutersO uso do protocolo permitiria tratar os indígenas sem necessariamente removê-los para Boa Vista.
A proposta da organização, no entanto, está em análise até hoje, meses após a sugestão ser feita, por resistência de alguns técnicos do ministério.Procurada, a organização Médicos Sem Fronteiras confirmou que ‘vem dialogando com o Ministério da Saúde sobre o uso de ATPU na resposta à crise de desnutrição’ enfrentada pela população Yanomami por acreditar que esse é o protocolo mais indicado.’O ATPU é usado há mais de 20 anos por diversas organizações humanitárias mundo afora.
Com ele, pacientes com desnutrição grave sem outras complicações podem ser tratados em suas comunidades, evitando a necessidade de internação. Os alimentos podem ser armazenados a longo prazo sem refrigeração, o que facilita a logística.
Além disso, como não há necessidade de misturá-lo com água, fica eliminado o risco de contaminação por doenças transmitidas pela água’, destacou a organização, sem dar detalhes de quando exatamente fez tal proposta e qual é o status atual da negociação.PublicidadeLeia tambémEntenda a crise humanitária na Terra Indígena YanomamiDengueOutra área que motivou um puxão de orelha do presidente em Nísia é a epidemia de dengue, que, na última segunda-feira, 18, tornou-se a pior da história do País, com o…
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Fonte: @ Estadão
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