Vítimas de Mariana precisam assinar termo de quitação da Fundação Renova para receber indenização. Cuidado com litigância de má-fé.
A Fundação Renova está utilizando o termo de quitação exigido das vítimas do rompimento de barragem de rejeitos de minério em Mariana (MG) de forma a negar o pagamento do auxílio emergencial.
Essa atitude da Instituição gerou revolta entre os atingidos, que se sentem prejudicados pela falta de sensibilidade da Fundação diante de suas necessidades urgentes.
Atividade produtiva e direito financeiro na Fundação Renova
Vítimas do rompimento de barragem têm direito a auxílio financeiro por conta da interrupção de suas atividades produtivas A situação foi denunciada à Justiça Federal de Minas Gerais pelo Ministério Público e a Defensoria Pública do estado. Por conta da conduta, a instituição foi multada em R$ 250 mil, em decisão da 4ª Vara Federal Cível e Agrária de Belo Horizonte (MG).
O auxílio financeiro emergencial (AFE) e o sistema indenizatório online chamado ‘Novel’ fazem parte das medidas impostas às mineradoras causadoras do desastre ambiental de 2015. Ambos são postos em prática pela Fundação Renova, criada pelas mineradoras para reparar os danos. O AFE tem caráter assistencial, temporário e indisponível.
Ele deve ser pago às pessoas que tiveram sua renda, atividade financeira ou produtiva comprometidas por conta do rompimento da barragem, até que estas possam ser retomadas. Já o ‘Novel’ é um sistema simplificado criado para facilitar a indenização de grupos de atingidos. As vítimas acessam uma plataforma virtual e apresentam a documentação, que é avaliada pela Fundação Renova.
Para aderir ao sistema, é preciso assinar um termo de quitação, que abrange todas as pretensões financeiras decorrentes do rompimento da barragem, com exceção de eventuais danos futuros. Para a Fundação Renova, essa quitação vale também para o direito ao auxílio financeiro emergencial. Ao aderir ao ‘Novel’, a pessoa necessariamente renuncia a todo e qualquer pleito financeiro junto à instituição.
Fundação Renova e termo de quitação: o caminho da reparação
Assim fica fácil Para o juiz federal substituto Vinicius Cobucci, da 4ª Vara Federal Cível e Agrária de Belo Horizonte (MG), a posição da Fundação Renova é censurável e reprovável, por deliberadamente prejudicar o direito das pessoas atingidas.
Em sua análise, a instituição tem feito ações de reparação de danos incompletas à espera da adesão das vítimas ao ‘Novel’, o que as obrigaria a conferir quitação integral total e irrestrita, livrando a empresa de arcar com custos como o do auxílio financeiro emergencial.
‘Admitir a quitação irrestrita com efeitos futuros, especialmente em relação ao AFE, implica violação ao princípio da reparação integral. Se a quitação foi dada, por que reparar?’, explicou o magistrado, na decisão. Para o juiz, o pagamento do auxílio se relaciona com a reparação que permite aos atingidos retomar sua atividade produtiva e obter renda.
Gestão da Fundação Renova e litígios: uma análise crítica
Quanto mais rápidas forem as ações da Fundação Renova, mais rápida será a cessação do auxílio. ‘As atividades econômicas do atingido são continuadas e se desenvolvem ao longo do tempo. Desta forma, o AFE deverá ser pago, enquanto não forem retomadas as condições para o exercício das atividades econômicas e produtivas pré-rompimento’, disse.
Má-fé preocupante A situação se torna mais grave porque a Fundação Renova já foi obrigada a restabelecer o pagamento do auxílio financeiro emergencial a pessoas que tiveram o benefício suspenso após aderir ao ‘Novel’. A obrigação foi imposta pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região.
Ainda assim, para casos posteriores, a instituição passou a recusar o ingresso de novos beneficiários do auxílio quando eles já tinham aderido ao sistema.
‘Se a Fundação Renova interrompeu o pagamento do AFE em razão do ingresso do ‘Novel’, e foi obrigada a retomá-lo por decisão judicial, é evidente que não pode negar pagá-lo a quem foi beneficiado anteriormente por indenização no âmbito do ‘Novel’’, afirmou o juiz.
Fundação Renova: obrigações legais e princípios a serem seguidos
‘A adoção deste comportamento processual predatório e temerário causa preocupação, pois não é possível identificar se o jurídico da fundação defende tal posição e repassa ao administrativo e às instâncias de deliberação superiores ou se o administrativo exige que o jurídico defenda tal posicionamento reprovável, que viola a dignidade da pessoa humana das vítimas do rompimento, no âmbito judicial’, continuou.
Obrigações Por identificar que a Fundação Renova vem atuando deliberadamente em sentido contrário à sua finalidade de reparação, o magistrado aplicou multa de R$ 250 mil por litigância de má-fé.
A decisão ainda determina que a entidade se abstenha de negar o direito ao AFE sob o fundamento de já houve o pagamento de indenização e a assinatura do termo de quitação exigido aos atingidos que aderiram ao ‘Novel’. Também obriga a Fundação Renova a lista todas as pessoas atingidas que tiveram negada sua elegibilidade ao AFE por esse fundamento ora rejeitado.
Para mais informações, a decisão Processo 1000415-46.2020.4.01.3800 pode ser consultada online.
Fonte: © Conjur
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