Jovens reprovados como ‘falsos turistas’ ao tentar estudar em universidades argentinas. Polêmica sobre interpretação de acordo bilateral e autoridades migratórias.
‘Fui barrado na entrada do estádio, mesmo com o ingresso em mãos. Fiquei muito chateado com a situação.’ Assim se sentiu o torcedor João, que teve sua entrada negada no jogo de futebol por questões burocráticas.
‘Fomos bloqueados no acesso ao evento, sem nenhuma explicação. Nos sentimos prejudicados pela organização.’ Narram os amigos que tiveram sua entrada vetada na festa de gala do fim de semana passado.
Novos casos de estudantes barrados na Argentina
Maria conta que não mentiu a ninguém: afirmou, no setor de imigração, que estava viajando para fazer faculdade e que não tinha passagem aérea de volta, porque a data de retorno dependeria do calendário de aulas. Mostrou toda a documentação da instituição de ensino e explicou que, uma vez em Buenos Aires, solicitaria o direito à residência no país estrangeiro.
✈️Mais de 30 estudantes brasileiros — atraídos pela ausência do vestibular nas faculdades argentinas e pelos baixos valores de mensalidades — também foram impedidos de entrar no país vizinho nos dois primeiros meses de 2024, mesmo após seguirem todos os protocolos que eram tradicionalmente aceitos desde 2009:
– chegar à Argentina como turista, mostrando só o RG;
– e solicitar o visto de estudante ou a residência permanente já em solo argentino (entenda mais abaixo).
❌Desde o início do ano, no entanto, sem aviso prévio, as autoridades migratórias passaram a cobrar que os alunos já chegassem a Buenos Aires com toda essa documentação pronta – caso contrário, poderiam ser barrados.
Novas políticas migratórias na Argentina
Advogados e professores de relações internacionais ouvidos pelo g1 apontam para uma resistência maior da gestão do novo presidente, Javier Milei, na recepção de estrangeiros. Já o governo argentino afirma que ‘nada mudou’ [entenda mais abaixo]. ‘O moço [da imigração] foi pedindo meus documentos, e eu entreguei tudo.
Fiquei umas três horas e meia esperando uma resposta. Até que ele disse que eu não preenchia os requisitos e que não poderia entrar na Argentina’, conta.
‘Perguntei quais eram esses requisitos, mas ele não respondeu. Tentei explicar que o Brasil e a Argentina têm um acordo e que eu poderia, sim, dar entrada na documentação só depois.
Ele respondeu: já tomei a decisão e nada vai mudar isso’.
Mudanças nas políticas de imigração
Mas qual é esse acordo entre Brasil e Argentina?
Maria menciona o acordo bilateral entre Brasil e Argentina, válido desde 2009, que prega o seguinte: brasileiros que estejam na Argentina e argentinos que estejam no Brasil podem transformar vistos temporários ou de turista em vistos permanentes, desde que apresentem a documentação correta e paguem as taxas migratórias.Essa decisão representa até hoje uma facilidade em relação aos outros membros do Mercosul, que só conseguem pleitear um visto permanente no Brasil e na Argentina depois de dois anos do documento provisório.
‘O que sempre aconteceu foi que os brasileiros ingressavam como turistas na Argentina e pediam só depois o direito à residência. Tinham 90 dias para isso.
Quando todo o trâmite terminava, eles passavam a ter os mesmos direitos e obrigações que os cidadãos argentinos’, explica Liziana Andrea Amaran, advogada nos dois países.
Políticas de admissão na Argentina
Por que, então, houve alunos barrados, se apenas mantiveram o ‘ritual’ que sempre foi aceito?
Arthur Murta, professor de relações internacionais da PUC-SP, explica que há uma ‘brecha’ no acordo.‘O texto só fala que, uma vez em solo argentino, o brasileiro pode pedir a residência.
Mas não diz nada específico sobre a admissão no país [ou seja: se a pessoa entrará com visto de turista ou não]. Milei está se valendo disso para barrar os estudantes estrangeiros: passou a exigir passagem de volta ou visto de estudante’, afirma.
‘O que ele [presidente argentino] está fazendo é ilegal? Não.
Todo país tem direito de não deixar alguém entrar em seu território, desde que o indivíduo esteja descumprindo algum requisito migratório ou for visto como ameaça.’
Fonte: © G1 – Globo Mundo
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